Monday, October 23, 2006


Então é isso, galera. Já estou defecando textos novamente. Enquanto minha nova
"masterpiece" não vê a luz do dia, fiquem com esta preciosidade feita por volta
de 2003 ou 2004... quando o tempo era uma criança.



A Sina de Heldur- Parte 1



Na cidade era tudo silêncio. O vigia batia à porta da guarita, avisando que fazia seu turno final, e tudo estava bem. Então, o outro vigia sai, este entra, e outra rodada de olhos pela noite tem início.

A cidade de Bergstrand fica no norte, passando pela planície branca, a leste do grande desfiladeiro dos Mortos. O nome do vigia da vez é Heldur, veterano de duas guerras contra os povos sinistros do sul. Seu escudo corporal e sua espada longa batem um no outro, fazendo um baixo tilintar ritmado, que induz o vigia a pensar em outras coisas, menos incômodas que a neve que ele pisa e gela suas botas, ou o gosto amargo da cerveja quente feita em casa.

Quando está subindo pela escada íngreme que leva até o palanque da muralha, ele lembra de estar em vigia, e tenta se concentrar em ouvir ruídos hostis. No alto da muralha, sem lampião ou tocha para revelar sua posição, ele olha as estrelas. Numa região tão distante e numa hora tão calma, não há fumaça de chaminé nem luz forte para ofuscar a visão das estrelas. E vendo as mais brilhantes, que formam o Arco de Hagen, ele nota que as nuvens no horizonte estão sendo rasgadas, se desfazendo de seu azul marinho, em um negro veludo estrelado. E de trás de sua cortina, vê que algo voa, vindo do norte, por cima das montanhas brancas, de onde nenhum homem passou. Ele esforça a vista e percebe: é um dragão. Heldur corre para descer a escada, tropeça, e cai dos cinco metros que distanciam a paliçada do chão. A queda desacorda Heldur, enquanto a criatura se aproxima de Bergstrand.

No castelo, onde repousa o sábio Dárion do Vale das Névoas, o silêncio se rompe. O homem erudito, que já leu os tomos esquecidos dos antigos bruxos de Damáscia e da Aquilônia, acorda abruptamente, lançando seu cobertor contra uma montanha de livros pesados, e salta em direção a janela. De alguma forma, ele pressentiu que era hora de despertar. Seus olhos embaçados se limparam em sua túnica rubra, e lhe mostraram a sombra escarlate que cobriria um quinto da cidade com chamas, em dois segundos. Um enorme dragão passou despercebido pelos artilheiros das balestras, e nenhum sentinela alertou os arqueiros sonolentos. E este ser cuspiu sua ira flamejante sobre o armazém, e outras dez casas se incendiaram. O alarme foi geral. Dárion correu para o topo de sua torre, com um livro pesado de capa vermelha a tiracolo, e se pos a gritar:-"Hasturrrr! Hastuuurrr!!!" Com alguns gestos bizarros, um brilho verde brotou de cada um de seus nove dedos (perdera um num acidente com uma cutia encantada de cinco metros), e dardos místicos saltaram como foguetes sibilantes direto nos olhos do gigantesco lagarto alado. O tempo que a criatura passou voando em círculos aguardando o retorno de sua visão, foi o preciso tempo dos arqueiros e dos soldados assumirem seus postos de batalha.

Os arqueiros embebiam as pontas das flechas em óleo para tentar atear fogo na criatura, mas seu couro simplesmente não pegava fogo de forma alguma. Porém, novamente Dárion surge na história, desta vez, flutuando em uma espécie de disco de energia, de uma luz púrpura, quase invisível. E ao seu lado vemos um guerreiro, que salta do alto, caindo exatamente entre a nuca e as costas do dragão. Todos gritam o nome do herói: Kanzer, líder da guarda do cânion das minas do leste. Com sua cruel espada de duas mãos, ele rasga a carne do dragão, incapacitando uma de suas asas, causando assim sua queda. Mas a malícia da criatura tem fins mais ardilosos que os meios que os homens usam para enfrentá-lo, e ele então se vira de costas, para cair em cima de uma casa em chamas, com Kanzer entre ele e o chão. Não que isso ajude o gigantesco ser a sentir menor impacto, apenas pelo prazer de sentir os ossos do guerreiro explodindo dentro de sua armadura, e assim matando o homem pelo seu próprio plano idiota. Mas ali havia um homem idiota de armas em punho.

Quando as costas do dragão atingiram o solo com força assustadora, cada homem da cidade que portava arma, disparou rumo a besta para finalizar sua vida nefasta.Mas o primeiro a chegar, ao cravar sua espada na carne do monstro, notou a falta de vida do ser imediatamente, pois ficou claro quando todos pararam de cravar insanamente suas lâminas no corpo do animal, que este já estava morto antes de qualquer um deles poder fazer qualquer coisa. A ponta prateada de uma espada reluzia no peito pálido do lagarto. Kanzer havia apontado o cabo da espada para o solo, e deixado que a própria maldade da criatura fosse seu algoz. Bom, foi o que gritaram todos. Porém, das cinzas de uma ruína próxima se ergueu Kanzer, todo arrebentado, com sua espada na mão, chamando pelo dragão. Todos fizeram silêncio. Que loucura fora esta? Nenhum homem estava mais na área próxima onde o dragão cairia. Que diabos havia acontecido?

Após apagar o incêndio e tratar os feridos, começaram a remoção da carcaça descomunal. E após uma semana e meia de trabalho, encontraram as armas abandonadas de um soldado de guarita. Um escudo amassado, e uma espada longa cravada até o fim do cabo nas costas do pior monstro que já cobriu o céu de Bergstrand.





Eram os equipamentos de Heldur. Mas quando todos os eventos se desenrolavam, este já estava longe. Assim que acordou e viu o dragão sobre a cidade, e a cidade em chamas, abandonou suas armas e se exilou na Floresta dos Desesperados. "Largo aqui, apoiados nesta parede, meus itens de trabalho, pois agora que falhei em minha tarefa, passo a outro que a ame e cumpra com mais dignidade que eu. Escolho o exílio na Floresta dos Desesperados, onde apenas as sombras de minha vida hão de restar nas folhas de outono." Estas foram as palavras que disse a sí mesmo quando abandonou seu posto. Para o povo da cidade, um herói. Para ele próprio, um desertor covarde. A Floresta o engoliu. Ninguém viu o destino de Heldur.



A Sina de Heldur- Parte 2



A Floresta dos Desesperados tem nome merecido. É o pior lugar da terra, e fica apenas a dois quilômetros do centro de Bergstrand. Heldur, o guerreiro, foi pra lá. De fora, parece uma floresta comum, do norte. Pinheiros e chorões, em uma terra úmida e escura. A neve liquefeita e a névoa dão ao lugar um aspecto de sujeira e desconforto muito apropriado. Ninguém jamais voltou de lá.

O ar era como uma massa densa que se poderia cortar à faca. Caminhar era como lutar contra um mundo hostil. À medida que Heldur se aprofundava nos meandros da mata, os sons iam surgindo. Primeiro os corvos, que não se podiam ver, mas apenas ouvir. Depois, gritos de bestas diversas, do tipo que não se vê em outros lugares. Dríades corriam pela mata, pequenas crianças da natureza. Fadas de todas as cores, que quando eram avistadas, fugiam rindo. Morcegos enormes pendiam das árvores. Basiliscos e salamandras levantavam as folhas caídas das árvores contorcidas. Era madrugada. Não se podia ver mais que cinco passos adiante. Então os sons pararam.

Heldur estava então em um charco. Suas botas atolavam na lama. Ele continuava caminhando, cada vez mais para dentro da Floresta dos Desesperados. A névoa cobria seus passos, mas ele sabia que andava entre lama e pedras. Algumas raízes tentavam prender seus pés, mas nada poderia impedir aquele homem de encontrar seu destino. De repente, um grito. Como que alguém que encontra a morte. Um grito forte, de homem em dores, de homem morrendo. Heldur já ouvira aquele grito antes, mas não tão alterado pelo medo... ou o medo era dele mesmo?

Heldur sacou sua faca e apertou o passo na direção do grito, que já cessara. Tentava andar sem fazer ruídos. Então algo estralou sob seu pé esquerdo. Havia pisado um crânio, que explodiu vencido pelo peso. O aventureiro olhou para baixo, e quando voltou sua visão para seu caminho, viu um belo unicórnio branco... com seu chifre cheio de sangue, que escorria fresco. No alto da árvore, o corpo do homem que emitira o grito estava pendurado em um galho sinuoso. Cada galho daquela árvore tinha um homem morto, seco... devorado por corvos e pequenas criaturas hediondas que Heldur nunca antes havia visto. O unicórnio havia desaparecido quando a vista do trágico herói se voltou novamente para o caminho. Como num pesadelo do qual não se acorda, Heldur estava só na mata, com os corpos de homens estranhos pendendo como frutos podres da árvore da morte. Não tinha o que ser feito. A única coisa que o triste soldado podia fazer era puxar da lama alguma das armas que caíram dos corpos quando foram depositados em seu mausoléu suspenso. Heldur tinha agora uma espada longa, como antes teve na guarda de Bergstrand. Olhou para a lâmina, tão diferente da que usava antes, mas ainda assim se lembrou dos tempos dourados em que se juntou ao grande exército das terras do norte. Apenas uma morna lembrança em uma mente gelada pela realidade triste de estar em um inferno verde. Caminhava de novo, mais para dentro da mata.

Foi então tomado por uma impressão de estar sendo observado. Já andava há uma hora, ou fazia uma semana? Não sabia dizer quanto andara, mas sentia que não saía do lugar. Tinha certeza de estar vendo aquela árvore pela quinta ou sexta vez. E a essa estranheza, se somou a sensação de estar sendo observado. Não era medo, definitivamente. Heldur não temia nada. Havia deixado o medo em Bergstrand, sob seu escudo e sua espada de guarda. Parou então, esperando por sinal de o que quer que estivesse ali nas trevas.

Pássaros saíram voando de todas as árvores, num estardalhaço cacofônico, gritando e batendo as asas vigorosamente... indo para longe. No meio da confusão de folhas voando e sons de fuga, Heldur sentiu o calafrio na espinha. Olhou para trás, e foi colhido por garras enormes de um ser gigante, que terminou a vida de Heldur em meio segundo. O pobre guerreiro não estava mais vivo quando atingiu o solo. Esta foi a triste sina de Heldur.



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- publicado às 7:39 AM -


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